segunda-feira, 17 de maio de 2010

Brasil, Irã e Turquia conseguiram fechar o acordo nuclear

Uma vocação de nação independente e um compromisso com a paz

Blog Leituras Favre

O acordo assinado pelo Irã, com Brasil e Turquia, não resolve todos os problemas ligados ao programa nuclear iraniano, mas constitui um passo importante para que as negociações evoluam positivamente.

É o que qualquer pessoa sensata percebe, ao analisar o compromisso assumido pelo Irã de transferir seu urânio fracamente enriquecido para a Turquia, na quantidade exigida pelo próprio Obama meses atrás, para assegurar assim sua utilização pacífica.

A assinatura do acordo provocou diversas reações no plano internacional e também comentários de analistas aqui:
  • Para aqueles que procuravam simplesmente um pretexto para uma escalada de sanções contra o Irã e que até encorajavam um eventual ataque aéreo israelense com o pretexto da suposta fabricação de armamento atômico por parte do regime dos aiatolás, o acordo é desprezado e novas exigências são avançadas para procurar manter a tensão contra Irã. Para eles a atuação de Lula é inaceitável e só dificulta os planos agressivos que defendem para a região.
  • Para a maioria dos observadores, porem, o acordo exigirá maior esforço de negociação e talvez algumas garantias de segurança complementares, mas contribui para uma solução que afasta as sanções e privilegia um acordo entre o Grupo de Viena e o governo do Irã.

Ainda haverá novas transações e não se pode excluir um retrocesso, mas o avanço foi significativo e contou com uma participação, destacada no mundo inteiro, do presidente Lula.

Evidentemente o fato do Brasil ocupar um dos assentos, não permanentes, no Conselho de Segurança da ONU, fez que nossa diplomacia pudesse agir mais ativamente naquela região, mas indiscutivelmente que isto foi possível, essencialmente pela combinação de dois elementos chaves da política do governo Lula:
  • Em primeiro lugar sua independência e não alinhamento, mas agindo de conserto com as principais potências do planeta, e não como retórica ideológica terceiromundista.
  • Em segundo lugar, o de ter sabido colocar a ação coletiva internacional no enfrentamento da crise, superando o G8 e se implicando diretamente nas decisões econômicas coletivas (ter resolvido a questão da dívida externa, devolvido o empréstimo do FMI a FHC, aumentado sua participação nos fundos da instituição e a força da nossa economia durante a crise, foram contribuições essenciais para perceber o Brasil diferentemente aos olhos da comunidade internacional).
Esses dois elementos foram decisivos para uma percepção diferente, por parte da comunidade internacional, do papel do Brasil.

Motivações de política interna e de calculo eleitoral provocaram reações contrarias ao protagonismo brasileiro e se expressaram com posturas de provincianismo e falta de ambição, para não falar em complexo de vira-lata, na maioria dos comentaristas e políticos da oposição. Torciam para um fracasso do Brasil, com o calculo mesquinho de dividendo internos, alimentando de fato uma postura de submissão e renunciamento a uma vocação de grandeza nacional.

“É uma vitória da diplomacia brasileira, mas sobretudo da política externa do governo Lula”, afirmou com razão Dilma, em entrevista concedida nesta manhã à rádio CBN.
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 Os bastidores do acordo entre Brasil - Irã - Turquia



O acordo Brasil-Irã-Turquia
Stephen Kinzer - The guardian
Via Blog Vi o Mundo
Os acontecimentos e notícias empolgantes que chegam de Teerã, de acordo afinal firmado, que pode ter evitado crise global em torno do programa nuclear iraniano é desenvolvimento altamente positivo para todos – exceto para os que, em Washington e Telavive, estavam à procura de qualquer pretexto para isolar ou atacar o Irã.

Também marca o nascimento de uma nova força altamente promissora no cenário mundial: a parceria Brasil-Turquia.

Semana passada, o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan e o presidente Luis Inácio Lula da Silva do Brasil adotaram, em conjunto, a abordagem clássica do “um gentil, outro durão”, para aproximarem-se dos líderes iranianos. Lula anunciou que iria a Teerã, o que deu aos iranianos esperança de algum acordo. Mas era indispensável também a presença da Turquia (onde o urânio será tratado), e Erdogan fez-se de difícil.

Na 3ª-feira, Ahmet Davutoglu, o muito experiente ministro das Relações Estrangeiras da Turquia, anunciou que Erdogan não iria ao Irã, a menos que os iranianos manifestassem algum interesse em firmar algum acordo. “Não é hora para encontros trilaterais sem objetivo preciso”, disse. “Queremos resultados. Sem perspectiva de resultados, não iremos ao Irã.”

Na 6ª-feira, Erdogan endureceu ainda mais. Disse que a planejada viagem a Teerã estava cancelada, porque o Irã “não se manifestara sobre a questão”.

Poucas horas depois, a secretária Hillary Clinton telefonou ao Chanceler turco e empenhou-se em desencorajar a iniciativa dos diplomatas brasileiros e turcos. Porta-voz do Departamento de Estado dos EUA disse que a sra. Clinton ‘alertou’ o ministro turco para não confiar nos iranianos, cujo único interesse seria “fazer qualquer coisa para impedir as sanções pelo Conselho de Segurança, sem dar qualquer passo para suspender seu programa nuclear militar.”

Depois do telefonema, um pouco precipitadamente, de fato, a secretária Hillary previu publicamente que o esforço dos presidentes Lula e Erdogan fracassaria.

O que se sabe hoje é que a secretária Clinton pode não estar trabalhando corretamente pela pauta política da Casa Branca. Enquanto ela falava em Washington, funcionários turcos anunciavam aos jornalistas em Ankara, off-the-record, que haviam recebido encorajamento do próprio presidente Obama, para insistir no trabalho de mediação e continuar pressionando em busca de algum acordo. Pode ser, é claro, ‘divisão’ planejada das forças nos EUA, para cobrir todas as posições, o que implica que EUA, sim, anteviram a possibilidade de serem derrotados no front diplomático: Clinton faria a parte mais difícil e preservaria a posição do presidente como ‘mediador’ e interessado mais em acordos que em confrontos. Seja como for, já sugere alguma fragilidade na posição da secretária de Estado, ou seu isolamento, no círculo mais alto dos estrategistas de Obama para as questões mundiais cruciais.



Alguns, em Washington, tentarão ver no acordo apenas um modo para salvar as aparências e livrar o Irã de confronto direto com EUA e União Europeia. Seja como for, outros verão de outro modo. Ali Akbar Salehi, chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, vê perspectiva mais positiva. Semana passada, já havia anunciado que o Irã buscava um acordo, contando com a mediação política do Brasil e da Turquia “para dar aos EUA e outros países ocidentais um modo de escaparem da situação de impasse que criaram, com tantas ameaças.”

Em todos os casos, o que se viu foi que negociadores competentes em negociações bem encaminhadas por dois líderes mundiais, destruíram a versão, difundida por Washington, de que o Irã não faria acordos e teria de ser ‘atacado’, por sanções; antes, claro, de que os EUA considerassem “todas as opções” – inclusive o ataque militar, para impedir o progresso do programa nuclear do país.

Fato é que Turquia e Brasil, embora em pontos opostos do planeta, têm muita coisa em comum. São dois países territorialmente grandes que passaram longos anos sob ditadura, mas conseguiram alterar essa história e andar pacificamente na direção da plena democracia. Os dois países têm hoje, na presidência, políticos dinâmicos e experientes, que comandaram importante processo de recuperação econômica nos seus respectivos países. Os dois países, além do mais, já emergiram como potências regionais, mas aspiram ao nível de potências como Rússia, Índia ou mesmo a China. Nem Turquia nem Brasil podem sobreviver sozinhos entre esses gigantes. Mas, juntos, formam uma parceria que tem inúmeras possibilidades de sucesso.

Brasil e Turquia são os países que mais abriram novas embaixadas pelo mundo, nos dois últimos anos. Uma vez por ano, os principais diplomatas turcos voltam a Ancara para ampla reunião de trabalho. Na reunião de 2010, ocorrida em janeiro, o ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim foi um dos principais conferencistas convidados.

Turquia e Brasil foram, por muitos anos, apoiadores ‘automáticos’ de Washington, mas agora começam a assumir o timão e determinar a própria rota. Preocupados com o que veem como violento unilateralismo norte-americano, que desestabiliza imensas regiões em todo o mundo, os dois países têm evitado todos os confrontos internacionais, ao mesmo tempo em que trabalham incansavelmente para promover acordos que visem à pacificação. Por muito feliz coincidência, os dois países são hoje membros não-permanentes do Conselho de Segurança. A posição deu-lhes os meios para intervir na questão iraniana; que os negociadores e presidentes de Turquia e Irã usaram com talento e competência excepcionais.

Durante a Guerra Fria, o Movimento dos Não-alinhados tentou converter-se numa “terceira força” na política mundial, mas fracassou, porque reunia países grandes demais, separados demais e diferentes demais. Turquia e Brasil emergem agora como a força global capaz e competente para diálogos e acordos que o Movimento dos Não-alinhados jamais antes conseguira ser.

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 A Diplomacia Brasileira e o complexo de vira-latas


No Irã, gol de placa

 Blog Escrevinhador
Na madrugada dessa segunda-feira, Brasil, Irã e Turquia conseguiram fechar o acordo nuclear. Era a última chance dada a Lula para o diálogo com o Irã. Caso contrário, começariam as sanções.

O presidente brasileiro reafirmou sua posição de prestígio internacional.

Como estamos em véspera de Copa, vou adotar o estilo Lula de metáforas futebolísticas: a política externa do governo dele, conduzida por Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia, lembra o futebol jogado pelo Brasil em 58.

Até então, padecíamos do famoso complexo de vira-lata. Diante de um sueco ou de um alemão, o brasileiro gania, com sua inferioridade à flor da pele. A geração de 58 tinha um rei. Pelé. O jovem rei fez tabelinha com Didi, Zito, Gilmar, Nilton e Djalma Santos. E, assim, o complexo de vira-lata se foi.

O Brasil, na política externa, sofria de um tremendo complexo do vira-lata - especialmente sob o governo tucano. O Brasil tirava os sapatos e gania sua humildade diante dos gringos.



Como em 58, o Brasil de Lula deixou o complexo pra trás. Sem intermediação de EUA, França, ou Inglaterra, o Brasil de Lula conversou com o Irã e a Turquia. O Brasil cresceu. O Brasil calçou os sapatos e agora caminha com firmeza pelo cenário internacional.  Veja o video abaixo.



Para ódio dos apedeutas que babam de raiva (ou inveja?) na "Veja", e comparam Lula a Wagner Love. Lula está mais para Pelé. Entretanto, no acordo nuclear com o Irã nem tudo está garantido. Ao contrário da Copa, na política externa o jogo não acaba nunca. É o que mostra o texto de Flávio Aguiar, escrito para a rede Brasil Atual.

IRÃ: GOL DE PLACA DO BRASIL
Por Flávio Aguiar
Ainda no blog Escrevinhador

Já ninguém acreditava. Eram os 29 minutos da prorrogação. Logo viriam os pênaltis. Todos, é claro, batidos contra o mesmo gol, onde o goleiro Mahmoud ia tentar defender todas, nem que fosse no gogó. A capitã Hillary Clinton já convocava os batedores: Sarkozy, da França, Cameron, do Reino Unido, Merkel, da Alemanha, e os contrafeitos Putin, da Rússia e Jin Tao, da China.

Foi quando Amorim e Luis Inácio entraram tabelando na área, um lançou para o outro, que deu um chapéu em Hillary, retrucou para o um, que fez uma embaixada e botou na frente do gol: os centroavantes Ahmadinejad e Erdogan conseguiram evitar bater cabeça, e cabecearam juntos para as redes. Gol do Brasil!!!!, numa jogada que deixou tiririca a galera do contra que, dos camarotes da mídia conservadora, jurava que não ia dar certo e só falava em gafes do time brasileiro.

A turma da miopia congênita levantava tudo que era argumento possível contra a participação do Brasil na tentativa de abrir uma porta para que se resolva o impasse nuclear do Irã. Dizia ela que o Brasil não tinha nada a ver com isso, que a questão nuclear no Oriente Médio não interessava ao Brasil (!), que era uma questão menor (!!), que o Brasil não tem qualquer interesse no Irã, etc. e tal. Ficaram roendo as unhas até os cotovelos e mordendo pé de mesa.

Nem tudo são flores no Irã liderado pelo Conselho dos Aiatolás (que é onde está de fato o poder) e por Ahmadinejad, um político esperto de estilo populista que se posicionou no espaço vazio entre a política religiosa do país, o povão ainda assolado pela pobreza, a classe média emergente e o cenário internacional, onde pretende despontar como um líder de âmbito regional, mas de alcance internacional.




 

Este é o nó da questão. O Irã, com uma das maiores reservas de petróleo e gás do mundo, com reservas de urânio consideráveis, um parque industrial já significativo, 70 milhões de habitantes mais ou menos, um PIB de 336 bilhões de dólares, pode vir a se tornar uma potência emergente, desestabilizando área onde os Estados Unidos e seus aliados mantém um controle instável sobre governos – todos, não só o Irã – questionáveis do ponto de vista de uma democracia.

É claro que o campeonato não terminou. Possivelmente os governos norte-americano e israelense farão tudo para desacreditar o acordo feito entre a Turquia e o Irã, com o aval e a mediação do Brasil. É claro também que Turquia e Irã terão de se concentrar em honrá-lo. Se não fizerem, a partida será anulada. É muito possível também que os Estados Unidos queiram impor, através do Conselho de Segurança da ONU, novas sanções ao Irã. Mas já ficou mais complicado obter a carta branca pró-ativa que queriam da Rússia e da China.

De certo modo, há uma certa necessidade por parte dos “grandes” ocidentais do Conselho de Segurança, de impor sanções ao Irã. É uma demonstração de força, por parte de países cuja hegemonia, sobretudo a dos EUA, indiscutível no plano militar, vem sendo cada vez mais posta em dúvida no plano político. O que Hillary Clinton pretendia, além de conter o ímpeto do Irã, era “realinhar” o seu time, muito disperso e tomado por disputas internas, como a da França e da Alemanha em torno do euro. É verdade, ela terá razão em reclamar: a jogada do Brasil atrapalha esse esforço, não resta dúvida. Mas não custa lembrar que o assunto está na competência do Brasil, que ora tem um mandato temporário de dois anos no Conselho de Segurança da ONU.

Aos descontentes com os novos ventos na política externa brasileira, resta ainda o argumento de que tudo isso não passa de uma encenação para que Lula ganhe o prêmio Nobel da Paz. É cedo para fazer prognósticos. Mas e daí, se ganhar? Aí não haverá cotovelo nem unha que chegue.
 
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