segunda-feira, 26 de julho de 2010

O Renda Mínima e a Renda Básica de Cidadania - RBC

Lendo Nassif hoje, deparei com um post intitulado "A Falta de Plataforma política". Como o próprio título sugere, era questionado justamente sobre a falta dos projetos políticos dos Presidenciáveis. Um dos blogueiros em seu comentário apresentou a proposta de plataforma política de Dilma, ou melhor, o programa de Governo de Dilma que foi registrado no TSE. Resolvi acessar e ler.

Uma das propostas dela é:
"O crescimento acelerado e o combate às desigualdades raCiaiS, sociais e regionais e a promoção da sustentabilidade ambiental serão o eixo que vai estruturar o desenvolvimento econômico. 
(...)
19. A expansão e o fortalecimento do mercado de bens de consumo popular, que produziu forte impacto positivo sobre o conjunto do setor produtivo, se dará por meio da:

(...)

g) transição do Bolsa família para a Renda Básica de Cidadania - RBC, incondicional, como um direito de todos participarem da riqueza da nação, conforme prevista na lei 10.853/2004, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8 de janeiro de 2004;"
Foi uma das melhores informações que eu tive o prazer absorver. Eu não sabia sobre lei 10.853/2004 que criou a "Renda Básica de Cidadania", que nada mais é que a renda mínima.  A satisfação foi tamanha que postei um comentário no blog do Nassif afirmando:
Se ela, Dilma, cumprir este item (consta no programa de Governo de Dilma, item g, p.4) ela efetivará a tal renda mínina que para mim será um dos principais tripés de nossa sociedade. Não é questão de dar esmola, mas sim de sermos solidários e darmos condições de que todos participem da riqueza gerada pelo país.
Como não dá para garantir a todos trabalho e salário digno, e isso é uma realidade que sempre existirá no sistema capitalista, pois sempre alguém vai perder para que outro ganhe, que pelo menos garantemos uma renda mínima a estes, para que, se lutarem, possam um dia dar a volta por cima (aqui entra a necessidade de  termos um sistema de ensino público, gratuito e de qualidade). Ao mesmo tempo, garantiremos àqueles que por um azar, ou um infortúnio da vida, perca tudo possa também usufruir desta renda mínima.
Desde que li pela primeira vez sobre o renda mínima, há uns seis anos atrás, tive a certeza que ele seria, e será se for implantado, um dos "tripés" de nossa sociedade. Embora tripé indique três bases interligadas entre si para sutentar algo, a uso aqui como sendo uma metáfora, para uma das bases de sustentação de nossa sociedade. 

Para que possa entender melhor o porquê  desta minha certeza, a respeito o renda mínima, seria interessante ler um de meus posts sob o título "Brevíssimo Histórico dos programas Sociais no Brasil". Se preferir leia apenas sobre o renda mínima que está transcrito abaixo, e depois leia um artigo sob o título "Novos desafios ao Programa Bolsa Família: a transição para a Renda Básica de Cidadania"
que também está trascrito, desta vez, na íntegra logo depois do renda mínima. Boa leitura.
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Uma história da implementação de políticas sociaisde distribuição de renda no Brasil teria que retroceder, pelo menos, à década de 1930, com a criação dos primeiros programas e leis voltados aos trabalhadores eaos setores mais pobres da população. Nesta época, a partir do governo de Getúlio Vargas, começou a surgir de modo mais concreto no país a idéia de construção de
um Estado de bem-estar social, um projeto ainda  inacabado.
Livro Bolsa Família, p.27, via post
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O Renda Mínima e (...)
O combate à pobreza e à desigualdade no Brasil buscou orientar-se por políticas mais efetivas de redistribuição de renda bem como pela ampliação do acesso aos serviços sociais pela parcela mais desfavorecida da população. Foram estas as condições que favoreceram o crescimento do debate acerca de políticas de transferência direta de renda, tais quais a renda mínima e a bolsa escola, como forma de combate à exclusão social.(LÍCIO,p.12)

Embora tenha suas raízes históricas nas primeiras leis de welfare na Europa, a idéia de se prover uma renda mínima à parcela pobre da população foi introduzida no Brasil na década de 1970 (SILVEIRA, 1975). No entanto foi só na década de 1990 que ganhou destaque nacional com a apresentação do Projeto de Lei do Senador Eduardo Suplicy (clique aqui para ler). A proposta de vinculação da renda mínima à educação coube ao economista JOSÉ MÁRCIO CAMARGO (1993).(LÍCIO,p.12)(grifos e link meus)

Suplicy não foi o primeiro a propor uma renda mínima no Brasil. Antes dele, Silveira (1975) e Bacha e Unger (1978) haviam proposto uma renda mínima garantida por meio de um imposto de renda negativo. (PAULICS, p.12)

Veja um trecho do Livro "Bolsa Família", p.31, que aborda este momento corroborando o trecho acima: "Em 1978, destacou ainda o autor de Renda de Cidadania, Edmar Lisboa Bacha e Roberto Mangabeira Unger propuseram, em Participação, salário e voto, “que a reforma agrária e uma renda mínima por meio de um imposto de renda negativo deveriam ser instituídos como instrumentos fundamentais de democratização da sociedade brasileira”. Segundo eles, 'só poderia haver democracia política se houvesse um limite aosextremos de desigualdade e a erradicação da miséria'."

Mas estas afirmações, de se instituir um Imposto de Renda Negativo, independentemente de seu valor intrínseco, caíram no esquecimento, ou seja, ninguém “pegou a bola” nas mãos para jogar. Suplicy “pega a bola”, e a coloca em jogo, transformando-a.(PAULICS, p.12)

Foi num cenário de inúmeros conflitos de interesses que Suplicy lançou a proposta de uma renda mínima. Para ser ouvido, para encontrar quem dialogasse com ele, precisou reunir afirmações mais antigas que corroborassem sua proposta de Renda Mínima, apresentou pessoas renomadas que também defendiam propostas semelhantes à sua, fundamentou suas proposições com vários estudos. Para isto, contou com um grupo de assessores, pesquisadores, um centro que o apoiou enquanto ele, com tempo disponível, ia em busca de um número cada vez maior de aliados.(PAULICS, p.12)

Por ter uma carreira política, a principal rede na qual pretendia avançar, enfrentando os interesses conflitantes, é a que está envolvida na formulação e implementação de políticas públicas. Os principais pontos desta rede correspondem a cargos executivos e legislativos. Junto aos que assumem estes cargos é que Suplicy realiza as principais translações, para garantir o alistamento de um número cada vez maior na disseminação de sua proposta.(PAULICS, p.12)

Com a inflexão na proposta do Programa de Garantia de Renda Mínima, vinculando-o à educação de crianças e adolescentes, os elos do Programa demonstram ser fortes o suficiente para que dois gestores decidam tirar o projeto do papel.(PAULICS, p.12)

A implementação das primeiras experiências concretas, em Campinas-SP, no Distrito Federal e em Ribeirão Preto-SP, provando a viabilidade da proposta, permite que Suplicy consiga aumentar o número de aliados, alistando pessoas cujos interesses poderiam ser atingidos seguindo o caminho do programa de renda mínima.(PAULICS, p.12)

Se, no começo, em 1991, Suplicy arregimenta três ou quatro “amigos” e faz vagas referências a experiências realizadas fora do Brasil; em 1997, ele tem centenas de “amigos arregimentados”, uma lei federal aprovada, cuja paternidade é reconhecida como sendo dele; centenas de municípios e diversos estados procurando implementar a política inspirada em sua proposta; e está inserida no debate político a importância de se garantir uma renda mínima que permita às famílias manterem seus filhos na escola. Mesmo que não tenha se mantido a proposição original ao longo da disseminação, levando-nos a supor que Suplicy tenha optado por ampliar a margem de negociação para facilitar a disseminação, está consolidada entre gestores, pesquisadores e eleitores a importância de se garantir uma renda mínima.(PAULICS, p.13)

A proposição de inclusão social viabilizada pela concessão de um benefício monetário aos membros de uma comunidade como meio de distribuição da renda é defendida tanto pelos liberais clássicos preocupados com a autonomia das pessoas e liberdade de expressão, quanto pelas correntes ideológicas da esquerda, preocupadas com a equidade, distribuição de recursos, desigualdades sociais e necessidade de se fortalecer valores comunitários. No mundo inteiro, o tema tem sido tratado sob diversas formas, adquirindo maior força nos últimos 20 anos, dada a crise do welfare state e os novos rumos do capitalismo.(LÍCIO,p.13)

No Brasil, a renda mínima tem sido utilizada como instrumento transitório destinado a viabilizar a (re) inserção social e econômica das famílias carentes com crianças em idade escolar, por intermédio da vinculação do auxílio monetário a ações socioeducativas. Esta vinculação visa justamente romper com a lógica meramente assistencial, buscando minorar, a médio prazo, um dos principais fatores geradores de pobreza e desigualdade social, que é o déficit no acesso à educação.(LÍCIO,p.13)


Em 1995, o Distrito Federal foi palco da primeira experiência brasileira de renda mínima vinculada à educação, quando então recebeu o nome de bolsa escola (foi na administração de Cristóvão Buarque). Na mesma época, Campinas também instituiu um programa de renda mínima, só que mais vinculado à assistência social.(LÍCIO,p.13)
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Como dá para ver, o Renda Mínima não só é uma evolução no trato da questão pobreza, como é o percusor de um dos programas que tem um alcance mundial hoje em dia que é o Bolsa Escola, iniciado por Cristóvão no DF e mais conhecido hoje como Bolsa Família, depois de acampar outros programas sociais existentes (clique aqui e leia sobre). Agora leia o artigo que trata do novo desafio do "Bolsa Família: A transição para a renda básica de cidadania".
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O Brasil possui pouca tradição na introdução de direitos sociais universais capazes de  combater a fome e a pobreza. Os direitos até então implementados encontram-se, em sua grande maioria, estritamente vinculados à inserção dos indivíduos no mercado de trabalho formal, implicando a conseqüente contribuição para a previdência social. A lógica desse tipo de direitos contributivos baseia-se no princípio da meritocracia, ou seja, no mérito e esforço individual conquistados através do trabalho e não numa perspectiva dos direitos universais. Desse modo, aos indivíduos não inseridos no mercado de trabalho formal, o acesso a direitos sociais é, via de regra, negado. Esse legado explica, em grande parte, o histórico processo de exclusão social do país. Somente a partir da década de oitenta do século passado, começam a surgir mudanças nas concepções dos direitos sociais, haja vista a conquista de princípios universais introduzidos na Constituição de 1988. Em outros termos, surgem pela primeira vez na história das políticas sociais brasileiras, programas de caráter não contributivos, cujo intuito é garantir direitos universais. Dentre esses programas, pode-se destacar o regime de segurado especial da previdência rural dado o seu caráter universal. Além disso, a partir de 1995, vários municípios brasileiros, a começar por Campinas, Ribeirão Preto e o Distrito Federal, Brasília, introduziram programas não contributivos de Renda Mínima, visando combater a fome e a pobreza. Por outro lado, a maioria desses programas têm sido alvos de crítica, sobretudo na literatura acadêmica, pelo alto grau de seletividade, focalização, nível e alcance dos benefícios oferecidos. Em outras palavras, são insuficientes para garantir os direitos fundamentais, especialmente o direito de estar e viver livre da fome (cf. LAVINAS, 2004, SILVA e SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004, VALENTE, 2002, ZIMMERMANN, 2006).

Uma indicação de mudança de paradigma nas atuais políticas sociais entrou em cena quando no dia 08 de janeiro de 2004, o presidente Lula sancionou a lei 10.835, instituindo a renda básica de cidadania. A sanção dessa lei tornou o Brasil o primeiro país do mundo a aprovar oficialmente uma renda básica universal para todos os cidadãos do país[1]. A lei estabelece que todos os cidadãos brasileiros, sem distinção de raça, cor, geração, gênero, incluindo estrangeiros que residem há mais de 5 anos no Brasil, teriam direito ao recebimento de um benefício monetário num valor estipulado igualmente para todos. Esse valor deve ser suficiente para cobrir as despesas mínimas com alimentação, educação e saúde[2] de cada cidadão. A grande novidade dessa proposta corresponde ao caráter  incondicional de acesso a esse benefício (sem condicionalidades), além de ultrapassar o mero objetivo de apenas combater a fome. Qualquer pessoa, mesmo inserida ou não no mercado de trabalho ou dispor de outras formas de renda, teria acesso ao benefício. Na opinião de Silva;Yazbek;Giovanni (2004, p.15), a renda básica de cidadania representa um avanço nas políticas sociais brasileiras, que somente teria sido possível graças a atuação incansável e obstinada do senador Eduardo Suplicy do Partido dos Trabalhadores e da eleição do presidente Lula. Levando esses aspectos em consideração, este artigo tem por objetivo discutir as fragilidades do Programa Bolsa Família no que tange à garantia dos direitos sociais não contributivos. Parte-se do pressuposto de que os problemas do Bolsa Família somente serão solucionados através da introdução da renda básica de cidadania ora aprovada em lei.


Do Programa Bolsa Família à Renda Básica de Cidadania

Novos estudos demonstram que a estratégia da “transferência de renda com condicionalidades“ do Bolsa Família, apoiada pelo Banco Mundial, viola o Direito à Alimentação Adequada, pois nem todas as pessoas necessitadas têm acesso ao benefício, o valor é insuficiente, além da imposição de condicionalidades (cf. ZIMMERMANN, 2006). Para evitar essas violações, recomenda-se a transição rápida, isto é, a substituição do Bolsa Família pela Renda Básica de Cidadania. Segundo Suplicy (2006), a substituição do Bolsa Família estaria previsto na lei da Renda Básica de Cidadania que foi sancionada no dia 8 de janeiro de 2004 pelo presidente Lula. A lei prevê, a partir de 2005, a introdução gradual da Renda Básica de Cidadania, priorizando as camadas mais pobres[3].


Vantagens da Renda Básica em relação ao Bolsa Família

O Programa Bolsa Família do governo Lula e os Programas de Transferência de Renda com condicionalidades apoiados pelo Banco Mundial e por políticos neoliberais apresentam uma série de pontos negativos. Na perspectiva dos direitos humanos, pode-se destacar os seguintes pontos críticos do Bolsa Família, e as conseqüentes vantagens da Renda Básica:

  1. O maior problema dos Programas de Transferência de Renda com Condicionalidades, atualmente defendidos pelo Banco Mundial, como é o caso do Bolsa Família, é a falta de referência a direitos. Isso ocorre pelo fato do acesso ao Bolsa Família[4] não ser garantido de forma incondicional. Em outros termos, o Bolsa Família não assegura o acesso ao benefício, já que existe uma limitação da quantidade de famílias a serem beneficiadas em cada município. A partir do momento em que a quota do município for preenchida, fica “impossibilitada” a inserção de novas famílias, mesmo que sejam extremamente vulneráveis e, portanto, sujeitas desse direito. Em virtude disso, o Bolsa Família não adota a concepção universal de acesso a todos que do Programa necessitam para garantir pelo menos uma alimentação de qualidade. A conseqüência do acesso limitado é que famílias e cidadãos pobres acabam sendo excluídas do Programa, mesmo que sejam vulneráveis e tenham a necessidade urgente de serem atendidas por programas governamentais. Se fosse baseado em um direito justiciável, todos que se enquadrassem nos critérios de seleção deveriam ter a possibilidade de exigir esse direito, inclusive pela via judicial. Neste sentido, a Renda Básica constitui-se mais facilmente como um direito justiciável e, portanto, de fácil distribuição e acessível a todos os cidadãos. Na Renda Básica não existe a necessidade de realizar a seleção de beneficiários, o único critério de distribuição desse direito é o pertencimento a um determinado território. Para Van Parijs (2000), a taxa de acesso aos benefícios seria muito mais alta em um sistema universal e mais pessoas entre os pobres estarão informadas sobre seus direitos e farão uso dos benefícios a que têm direito.
  2. A um direito humano não pode haver a imposição de condicionalidades e de contrapartidas, uma vez que um direito humano tem como base o fato de um indivíduo existir, ou seja, sua condição humana. Aliás, muitos ativistas dos direitos humanos discutem inclusive a implementação dos direitos sociais globais, os quais deveriam ser garantidos aos indivíduos pelo simples fato de pertencerem ao planeta terra. Os Programas de Transferência com condicionalidades defendidos pelo Banco Mundial violam os direitos humanos ao estabelecerem condicionalidades, já que um direito humano deve ser garantido pelo simples fato de um indivíduo existir. A dissonância é que nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, o Estado nem mesmo oferece os serviços aos quais as pessoas estão condicionadas (escolas, postos de saúde etc.). O Estado não deve punir e, em hipótese alguma, excluir os beneficiários do Programa quando do não cumprimento das condicionalidades estabelecidas e/ou impostas. Na perspectiva dos direitos, o poder público tem a obrigação de garantir, especialmente em bairros carentes e zonas rurais, os serviços de escolas e postos de saúde. Por outro lado, a Renda Básica de Cidadania tem como princípio atender a todos os cidadãos do país, ou seja, é incondicional e individual, baseada no princípio de que a condição de pessoa é o único requisito para a titularidade de direitos.
  3. O Bolsa Família também viola o Direito à Alimentação Adequada por causa do baixo valor financeiro distribuído aos beneficiários, haja vista que o valor de até R$ 95,00 não cobre os gastos com as necessidades básicas dos indivíduos e das famílias. Segundo vários estudos (cf. SILVA;YAZBEK;GIOVANNI, 2004; ZIMMERMANN, 2006) esse valor é insuficiente para atender as necessidades mínimas de cada cidadão, inclusive com alimentação, um direito previsto na LOSAN (Lei de Segurança Alimentar e Nutricional), sancionada pelo Presidente Lula em 2006. Estudos comprovam que muitos beneficiários do Bolsa Família ainda deixam de comer ou tinham comido menos por causa da insuficiência de recursos recebidos para adquirir alimentos (cf. WEISSHEIMER, 2006). Isso demonstra que o montante financeiro distribuído aos beneficiários pelo Bolsa Família é insuficiente para garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada. Diante desses fatos, estudiosos dos direitos humanos têm exigido como critério mínimo para a avaliação das políticas de Transferência de Renda o custo da cesta básica nacional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). O Dieese acompanha mensalmente a evolução de preços de treze produtos de alimentação, assim como o gasto mensal que uma pessoa teria para comprá-los[5]. Se utilizarmos as estratégias de garantia dos direitos existentes na maioria dos países europeus, os valores da Renda Básica de Cidadania deveriam garantir um padrão de vida razoável. Ou seja, o nível da Renda Básica de Cidadania não deveria ser substancialmente menor do que o salário normal ou compatível com o  padrão de vida considerado adequado e aceitável na sociedade[6]. A proposta de Suplicy (2006) é iniciar a Renda Básica com uma quantia mensal modesta de R$ 40,00 por indivíduo, um valor ínfimo para atender as despesas mínimas com alimentação, educação e saúde. A proposta de Suplicy continua também violando o Direito à Alimentação Adequada, pois o valor de  R$ 40,00 é insuficiente para atender as despesas mínimas com alimentação.
  4. A Renda Básica pode contribuir com o aumento da dignidade e da liberdade de escolha do ser humano, pois todos estarão livres da ameaça de passar fome. Os indivíduos tornar-se-ão livres e independentes da obrigação de trabalhar[7], especialmente do trabalho indigno, poderão se libertar da submissão não só dos capitalistas como também dos burocratas e dos cônjuges. Segundo Van Parijs (2000), a própria natureza incondicional da Renda Básica é uma vantagem, pois possibilita a disseminação de poder de barganha de modo a capacitar os menos favorecidos a distinguir entre empregos atraentes ou promissores e empregos desagradáveis.Isso não significa que haverá uma diminuição da importância do trabalho, mas o trabalho remunerado deve permitir o reconhecimento e a dignidade. Assim, haverá um aumento da liberdade de escolha, pois ninguém será obrigado a aceitar qualquer tipo de trabalho. Estaria sendo respeitado o direito à cidadania, um direito capaz de garantir não apenas a sobrevivência, mas a liberdade e a dignidade humana.


Considerações finais

No caso brasileiro, a Renda Básica pode contribuir para a preservação da cultura dos povos tradicionais, especialmente das comunidades quilombolas e dos povos indígenas, já que esses povos não possuem um modo de vida baseado na produção de excedente econômico, na competitividade e na organização da unidade de produção, tendo por isso maiores dificuldades de sobrevivência no atual modelo capitalista e produtivista. A atividade econômica tradicional baseia-se na agricultura de subsistência, um meio de reprodução biológica, social e cultural. A Renda Básica pode contribuir para que esses povos permaneçam em seus territórios e mantenham suas formas de vida tradicionais. Com isso, não haveria a necessidade de depredação de áreas florestais, de modernização de áreas agrícolas e nem de um modo de produção centrada na competitividade. Como bem nota Boaventura de Souza Santos (2005, p. 100),  as pessoas poderiam levar uma vida ativa e diversificada, conduzida ao ar livre e em comunhão com a natureza, cuja produção poderia ser baseada no socialmente útil e não no lucro e contra os excessos de produção e produtividade. Estaríamos dando um pequeno passo no sentido de evitar uma maior destruição do meio ambiente, evitando assim o aquecimento global.

Além disso, uma Renda Básica poderia resgatar e assegurar os direitos humanos, enquanto direitos individuais, incondicionais e garantidores de uma existência digna, indo além da concepção de política de combate à pobreza em vigor no país, com benefícios baixos e repleta de critérios rígidos de elegibilidade, implicando em uma política pobre para pobres. Uma Renda Básica que pretenda realizar os direitos econômicos, sociais e culturais deve garantir um padrão de vida razoável para todos, ou seja, uma existência digna. Quanto mais distantes do padrão de vida nacional estiveram as políticas sociais brasileiras, menor será o grau de realização dos direitos.
Referências Bibliográficas

ESPING-ANDERSEN, G. The three worlds of welfare capitalism. Cambridge: Polity Press, 1990.

LAVINAS, Lena. Exceptionality and Paradox in Brazil: From Minimum Income Programs to Basic Income. Paper apresentado no Congresso da BIEN em setembro de 2004 em Barcelona, 2004 (cf. http://www.etes.ucl.ac.be/BIEN/Files/Papers/2004Lavinas.pdf).

LAURELL, Asa. Avançando em direção ao passado: a política social no neoliberalismo. In: LAURELL, Asa (org.). Estado e políticas sociais no neoliberalismo. São Paulo: Cortez, 2a edição, 1997, p. 151-178.

SILVA e SILVA, Maria Ozanira; YAZBEK, Maria Carmelita; GIOVANNI, Geraldo di. A política social brasileira no século XXI: A prevalência dos programas de transferência de renda. São Paulo: Cortez, 2004.

SOUSA SANTOS, Boaventura de. Pela mão de Alice: O social e o político na pós. modernidade. 10. ed. São Paulo: Editora Cortez, 2005.

SUPLICY, Eduardo Matarazzo. Renda de Cidadania. A resposta dada pelo vento. Porto Alegre: L&PM, 2006.

VALENTE, Flávio. O direito à Alimentação. In: Benvenuto, Jayme/ Zetterström, Lena (Org.). Extrema Pobreza no Brasil. São Paulo: Loyola, 2002, p. 51-107.

VAN PARIJS, Philippe. Renda básica: renda mínima garantida para o século XXI? In: Estudos Avançados, n. 14 (40), 2000, p. 179-210.


ZIMMERMANN, Clóvis Roberto. Social programs from a human rights perspective: the case of the Lula administration's. In: Sur: International Journal on Human Rights, São Paulo, v. 3, 2006, p. 145-161.
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[1] Faz-se necessária uma distinção entre Renda Básica e Renda Mínima. A Renda Básica é compreendida como uma renda universal a ser paga a todos os cidadãos de um país. A proposta de instituição de uma Renda Básica completamente incondicional para todos os cidadãos, desde o nascimento até a morte, sem qualquer critério de seleção é relativamente nova no discurso dos direitos humanos e na prática política dos Estados. Já os programas de Renda Mínima são característicos dos países industrializados. Trata-se de uma renda condicionada, garantida em alguns países para aqueles que não contribuíram para nenhum sistema previdenciário, mas é condicional no sentido de que o direito a essa renda está determinado pela situação socioeconômica e familiar. Ou seja, essa condição é aplicada a uma certa faixa de rendimento, na maioria dos casos não se outorga aos ricos. Tampouco é um direito individual, pois na maioria dos países somente beneficia as famílias que tenham um rendimento inferior ao nível oficial de pobreza.


[2] Nota-se a falta de cobertura das despesas mínimas com moradia adequada, um dos maiores problemas no Brasil. A grande maioria dos países européia inclui em seus Programas de Transferência de Renda um auxílio moradia, que cobre os gastos com o aluguel.


[3] Na opinião de Lavinas (2004), porém, a expressão “priorizando-se as camadas mais necessitadas da população” não condiz com o princípio de uma Renda Básica, uma vez que está subjacente na lei que tal direito vai considerar, de início, “critérios de seletividade, contemplando os mais carentes, orientação esta em franca contradição com os princípios de uma renda de cidadania que, por ser incondicional, não obedece a critérios de elegibilidade socioeconômicos” (LAVINAS, 2004, p. 3).


[4] A própria denominação Bolsa apresenta sérios problemas sob a ótica dos direitos humanos, pois uma Bolsa indica algo temporário, passageiro, que possui um prazo para terminar, sem levar em conta a situação de vulnerabilidade das pessoas. Um direito não pode ser concebido na forma de uma bolsa, temporariamente, mas como algo permanente, a ser auferido enquanto houver um quadro de vulnerabilidade ou exclusão social.


[5] O custo da cesta básica apresenta variações entre as capitais brasileiras. Em junho de 2007, o custo da cesta básica em Curitiba foi de R$ 170,94, em São Paulo de R$ 187,45, em Goiânia R$ 153,84, em Belém R$ 154,91 e em Salvador R$ 137,05.


[6] Segundo o DIEESE, em junho de 2007, o salário mínimo necessário no Brasil estaria em R$ 1.620,64.

[7] Libertar-se da obrigação de trabalhar não significa que não se trabalhará, mas que haja a liberdade de escolha, especialmente de um trabalho digno e sem humilhação. Na literatura acadêmica internacional há uma preocupação recorrente entre os teóricos que discutem as políticas de proteção social de que os neoliberais somente são a favor da proteção social desde que ela não se transforme em um desestímulo ao trabalho. Para os neoliberais, só é legítimo que o Estado garanta um nível de bem-estar  aos comprovadamente pobres, o que reforça segundo Laurell (1997) a condição de mercadoria da força de trabalho. Para Esping-Andersen (1990), as políticas de proteção social devem ser analisadas quanto à possibilidade de desmercantilização das relações sociais, ou seja, pelo grau de autonomia e independência que garantem aos indivíduos ou famílias de sobreviverem fora das relações de mercado. Conforme esse autor, uma definição mínima da desmercantilização deve incorporar a possibilidade dos cidadãos poderem livremente optar por não trabalhar quando considerarem necessário, podendo mesmo assim sobreviver dignamente (ESPING-ANDERSEN, 1990, p. 23). Segundo esse autor, os socialistas seriam favoráveis à desmercantilização enquanto que os liberais defenderiam da mercantilização das relações.
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