quinta-feira, 22 de julho de 2010

"O dia em que Veja 'matou' FHC quatro vezes"

As sucessivas mortes políticas do presidente
mostram que FHC infelizmente não assimilou
os ensinamentos do clássico O Príncipe


Veja online, ano 2000
Veja criticando FHC!
Coisa rara!


Mario Sabino
 
Ana Araújo
PASSADO E PRESENTE
O problema
de FHC não é ter renegado o que escreveu, mas ter esquecido o que leu tão bem


"A política é quase tão excitante como a guerra, e tão perigosa quanto ela. Na guerra, você pode ser morto apenas uma vez. Na política, várias." A frase é de Winston Churchill, o primeiro-ministro inglês que morreu politicamente em algumas ocasiões, antes de ser entronizado como mito. Pois bem, deste ponto de vista o Brasil tem um presidente morto. Fernando Henrique Cardoso é, hoje, um espírito atormentado que busca reencarnar naquele governante do começo do primeiro mandato, por quem a maioria dos brasileiros nutria simpatia e até orgulho. Esta é a quarta morte política de FHC e também aquela da qual será mais difícil ele ressuscitar.


A primeira morte:

O presidente morreu politicamente por um breve momento em 1995, com a descoberta de que o então presidente do Incra, Francisco Graziano, mandou grampear o telefone do embaixador Júlio César Gomes, chefe do cerimonial da Presidência. O imbróglio deu a impressão de que o Palácio do Planalto era um ninho de cobras que se mordiam sem o conhecimento do dono do pedaço. Como a história não passou de briga de comadres com interesses escusos, a crise foi superada rapidamente.


A Segunda morte:

Um segundo falecimento, mais duradouro, ocorreu em 1998, com a divulgação do conteúdo das malfadadas fitas do BNDES [a privataria da Petrobrás, clique aqui e leia]. Gravações clandestinas de conversas do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, André Lara Resende, e do ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, colocaram sob desconfiança o processo de privatização, do qual ambos eram os principais articuladores. O conteúdo dos diálogos, num dos quais aparecia a própria voz do presidente, dava a entender que o Planalto favorecia determinados grupos. Que a venda de estatais, pedra angular do governo, era um jogo de cartas marcadas. Mendonça de Barros e Lara Resende demitiram-se, mas ainda assim o episódio fez a popularidade de FHC despencar como um Concorde avariado.


A terceira morte:

Um ano atrás, a terceira morte. O então presidente do Banco Central, Chico Lopes, viu-se envolvido na suspeitíssima operação de salvamento dos bancos Marka e FonteCindam.




O quarto e último falecimento:

Agora, no momento em que o presidente ensaiava renascer, graças ao sopro de vida dado pela recuperação da economia pós-crise cambial de 1999, eis que surge o fantasma de Eduardo Jorge, dono da Encol [o caso Encol, clique aqui e leia] a reconduzi-lo à morgue política. Segundo uma pesquisa do jornal Folha de S.Paulo, 45% dos entrevistados acreditam que a lama do caso EJ, como a imprensa o batizou, num paralelo com o caso PC, não suja apenas a ante-sala da Presidência da República. Acham eles que FHC está envolvido nas supostas irregularidades atribuídas a Eduardo Jorge. Por enquanto, não há prova alguma que incrimine o ex-assessor. Quanto ao presidente, não existem nem sequer fiapos de provas. Não importa. O que conta, para efeito de esfriamento político, é a percepção. O povaréu parece estar convicto de que, no mínimo, "o presidente deixa roubar", conforme a acusação oportunista produzida na semana passada pelo candidato Ciro Gomes.
[agora existe o livro "Encol: O sequestro" que mostra parte do que ocorreu. Segundo o autor do livro, o ex-dono da Encol, ele tem provas que envolvem os ex-dirigentes do BB em 2000. A Veja chega a chamar Ciro de oportunista, mas se confirmadas as denúncias do livro lançado agora em 2010, esta  afirmação de veja cai por terra, provando que Ciro tinha razão "o presidente, fhc, deixou roubar" além de protegê-los. Lembrei de Geraldo Brindeiro, o engavetador. Aliás, vale lembrar um trecho do texto de Frei Betto de 2006: "No governo FHC, dinheiro público foi usado para tentar socorrer bancos privados: o Proer. O Banco Econômico recebeu R$ 9,6 bilhões. Instalou-se uma CPI que, controlada pelo Planalto, justificou a maracutaia e nunca investigou a Pasta Rosa que continha os nomes de 25 deputados federais subornados pelo Econômico. Houve ainda os casos dos precatórios; da compra de votos para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC; do socorro aos bancos Marka e FonteCidam no valor de R$ 1,6 bilhão (os tucanos impediram a instalação da CPI para investigar o caso); as falcatruas na Sudam etc. Nada foi apurado, porque o Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, conhecido como "engavetador-geral", engavetou, até maio de 2001, 242 processos contra o governo e arquivou outros 217, livrando os suspeitos de qualquer investigação: 194 deputados federais, 33 senadores, 11 ministros e ex-ministros, e o próprio presidente da República."(leia na íntegra clicando aqui)]

Algumas constatações podem ser extraídas desse retrospecto. É espantoso verificar que o maior inimigo do governo é invariavelmente o próprio governo. Todas as crises políticas foram geradas em suas entranhas, dado que talvez também sirva para ilustrar a incompetência da oposição. Outro dado surpreendente é que um governo do PSDB se veja inscrito em capítulos de fisiologismo. Logo o partido que foi fundado por ex-peemedebistas que queriam livrar-se de quaisquer associações com a turma de Orestes Quércia, o ex-governador paulista que não consegue sair do limbo da suspeição. Por fim, reconheça-se a inaptidão de Fernando Henrique Cardoso para exercer o poder quando ele atravessa zonas de turbulência. Desenvolto sob céu de brigadeiro, basta que nuvens turvem o horizonte para que ele se recolha, como um tucano acabrunhado. Prefere que tudo se resolva por si, imaginando ser tal milagre possível, a fazer valer a força de seu cargo, seja para dissipar dúvidas sinistras, seja para punir de maneira exemplar os responsáveis por elas. Com isso, alarga ainda mais o fosso de interrogações que o distancia da nação.

O problema de FHC não é ter renegado o que escreveu, em seu namoro acadêmico com as teses socialistas, mas ter esquecido o que leu tão bem. O florentino Nicolau Maquiavel, por exemplo, autor de O Príncipe, clássico do pensamento político escrito no alvorecer do século XVI. O presidente é capaz de citar passagens do livro de cabeça, como aquela que recitou em maio de 1998, diante de uma platéia repleta de ex-chefes de Estado e empresários de alto coturno. "No momento das reformas, o político deve ser muito cuidadoso, porque os que melhor vão se beneficiar com as reformas ainda não sabem disso. E os que começam a perder sabem de imediato. Isso é Maquiavel", disse ele. Houvesse FHC recordado passagens maquiavélicas na hora de escolher seus assessores, provavelmente não teria sofrido tantas atribulações. Há um trecho de O Príncipe, em especial, que não deveria ter saído jamais de sua cabeça. É o que diz: "Não é de pouca importância a um governante a capacidade de escolher os ministros – que são bons ou não, de acordo com a sabedoria do governante. E o primeiro julgamento que se faz da mente de um senhor é observando os homens que estão à sua volta. Quando são capazes e fiéis, sempre se pode reputar sábio o governante, que os soube reconhecer capazes e fiéis. Mas, quando não o são, não é possível que se julgue bem o governante. Porque o primeiro erro que este comete está na escolha de quem o cerca".

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