quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O cientista e Lula - Ainda sobre Miguel Ângelo Laporta Nicolelis

O texto que segue abaixo é oriundo de um E-Mail que enviei a amigos em outubro de 2008. Eu o estou postando aqui em homenagem a este cientista que muito nos tem orgulhado.
Leia! garanto que não irá se arrepender.

Definição de um gênio que ainda pode dar o primeiro Nobel ao Brasil.

Ele chefia um dos mais avançados laboratórios de neurociência do globo, o da Universidade Duke, na Carolina do Norte. Lá, dá aulas de engenharia biomédica e de neurobiologia e co-dirige o Centro de Neuroengenharia. Seu nome figura constantemente nos bastifores para um prêmio Nobel. Nicolelis pertence a uma seleta lista das 20 personalidades mais importantes para o avanço da tecnologia no mundo elaborada pela Scientif American – em sua especialidade, a neurobiologia, está em 1º lugar.

Liderou o grupo de pesquisadores que registrou a atividade simultânea de 700 neurônios e ficou famoso por fazer com que macacos controlassem com o cérebro braços robóticos, a neuroprótese. Neuroprótese é uma interface cérebro-máquina, fazendo com que primatas movam braços robóticos apenas “com a força do pensamento“. O movimento foi possível com o desenvolvimento de um chip que capta sinais cerebrais e os interpreta segundo modelos matemáticos.

Apesar de já ter iniciado testes em seres humanos, Nicolelis alerta que ainda faltam tempo e estudos para chegarmos ao “ciborgue”. “Quando anunciamos nossos primeiros resultados com macacos, muitas empresas nos procuraram, mas achamos que um acordo comercial é prematuro “

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Entrevista com Miguel Nicolelis: A ciência como agente de transformação


'...conseguimos pegar mil crianças da rede pública, de escolas que as pessoas não davam esperança alguma, colocar em um ambiente de laboratório, de liberdade, de criatividade e mostrar para elas que o céu era o limite...'

Depois de 20 anos nos Estados Unidos, onde foi pesquisar as estripulias dos neurônios, Miguel Nicolelis, um apaixonado pelo Brasil, pela ciência e pelo futebol, voltou à terrinha para disseminar aquilo que desenvolveu por lá. Entre outras coisas a proeza de fazer um robô andar no Japão, a partir da 'força do pensamento' de uma macaca em um laboratório na Carolina do Norte.

Escolheu Macaíba, na periferia de Natal, no Rio Grande do Norte, para implantar um centro de pesquisa plugado nos centros de ponta do mundo inteiro. E, melhor, tocado por jovens neurocientistas que, como ele, estavam fora do país sem conseguir acesso ao sistema acadêmico público. Mais do que isso, agregou a este centro um projeto educacional que envolve mil estudantes de escolas públicas; e de saúde integral à mulher e à criança - gravidez de alto risco, câncer da mulher e problemas de neuropediatria.

Trata-se de embrião do primeiro Instituto de Ciências no país, com o qual ele pretende iniciar uma rede para atender mais de 1 milhão de crianças em diferentes cantos do Brasil. Conta com compromisso e apoio integral do governo Lula. Boas notícias que não merecem atenção da mídia nativa convencional. Na contramão dos maiores periódicos internacionais; estes levaram o assunto para as capas das edições que retrataram a cúpula de Davos, em janeiro último, onde e quando Nicolelis mostrou seu projeto.

Reproduzimos, abaixo, extratos da entrevista que ele, forte candidato ao Prêmio Nobel em sua área, concedeu à Caros Amigos, edição de maio. Um aperitivo das sete páginas de bate-papo inteligente, construtivo, transformador e emocionante. Vale à pena comprar a revista para ler a íntegra. Lição de pertencimento. Antídoto poderoso para, como diria Nelson Rodrigues, 'nosso complexo de vira-latas'.

Pergunta: Quando surgiu a história do Instituto?

Miguel Nicolelis: Sempre tive a idéia de voltar e fazer alguma coisa no Brasil. Era preciso demonstrar que alguém podia fazer ciência fora e trazer de volta. Comecei a ir para o Nordeste. Tinha a sensação de que até o impacto era necessário para demonstrar para o Brasil quão fundamental a ciência é para o desenvolvimento não só econômico, mas principalmente educacional e social.
os exemplos da Coréia, Taiwan: o que mudou esses países foi o redirecionamento do processo educacional. Era preciso ir para um lugar onde cientista nenhum iria, e provar que o talento científico brasileiro existe em qualquer lugar, no Capão Redondo como em Macaíba. O que não existe é oportunidade para esse talento aflorar. Quer dizer, você não oferece ao potencial humano brasileiro nem o método nem as oportunidades para que o método seja aplicado. Para que as pessoas possam perseguir sua imaginação, porque ciência é isso, é ter uma idéia, achar que vai funcionar e ir atrás. Daí que você vê quem é cientista - não é diploma, não é passar na banca, não é ter título. É o cara que tem uma idéia criativa, aplica métodos rigorosos para testar e que persiste. Noventa por cento da ciência é persistência.


Pergunta: Como o pessoal de fora do Brasil enxerga sua experiência aqui no Brasil?
Nicolelis: O pessoal está atônito. Quando apresentei o projeto de Natal em Davos, na Suíça, em janeiro, foi curioso. Estava do lado de colunistas, um deles famoso aqui, ouvindo gente falar do Brasil o tempo inteiro, ia no computador na manhã seguinte, abria nos jornais de São Paulo e ninguém fala nada. Vi um economista argentino falar bem do Brasil. Chorando, emocionado, 'é um exemplo, é um país que está dando um show'. No dia seguinte, não tinha uma palavra. No meu dia, vou falar sobre um projeto educacional, mostrei: 'A ciência não é só para ser feita em universidade, ficar em prédio fechado, é para abrir para o mundo.' Tinha acabado de sair uma carta que assinei com o presidente, primeira vez que um presidente de qualquer país assinou um editorial na Scientific American (clique e leia).

Pergunta: Quem? O Lula?
Nicolelis: É. Não saiu em lugar nenhum. Estava na capa da maior revista de ciência do mundo, o presidente, o ministro da Educação, se comprometendo a levar o currículo de educação científica infanto-juvenil desenvolvido em Natal para 1 milhão de crianças brasileiras. Mostrei as crianças montando robô, usando telescópio, medindo lua de Júpiter.

Pergunta: Lá em Natal?

Nicolelis: Em Macaíba, na periferia de Natal. Foi um choque. Mas só fora daqui saiu nos jornais, saiu na Scientific American, na Science, na Nature, nas grandes revistas do mundo.

Pergunta: Qual é a parte da grande imprensa nisso?

Nicolelis: Ah, omissão. Cheguei à conclusão que, hoje, no Brasil, é difícil falar bem do Brasil. Existe uma cultura de se confundir o país com quem está no governo. E a gente não pode contar boas notícias. É uma coisa meio assustadora. Não consigo entender.

Pergunta: Porque o presidente não é doutor?
Nicolelis: Pode ser. Mas acho que o buraco é mais embaixo: não podia dar certo. O governo dele tinha de ser o pior da história do Brasil. E se você analisar os fatos, friamente e objetivamente, não é. Se você passar duas semanas no interior do Rio Grande do Norte, da Paraíba, é outro Brasil. A gente respira aquele país que, quando eu era criança, me diziam que nunca seria possível se fazer (nesse momento Nicolelis chora).

E é chocante, você só consegue falar sobre isso fora daqui. O Brasil, de certa maneira, carrega hoje a responsabilidade de ser uma das poucas boas esperanças no mundo. De preservar seu ambiente, construir um país honesto, que cresça não à custa de outro, mas à custa de seu próprio trabalho, um país que tem uma democracia explodindo, não? Eu coloquei na minha porta na Universidade de Duke: 95 milhões de votos contados em quatro horas. Qualquer semelhança é pura coincidência. Eu me tornei mais brasileiro vivendo fora daqui. E acho inconcebível que nossas crianças cresçam sem apreciar a diferença entre patriotismo barato e verdadeiro amor pelo Brasil. Têm direito ao acesso à informação legítima, honesta e limpa. Para saber que país é, quais são os problemas, mas quais são as maravilhas do Brasil... (chora novamente).

Tem duas piadas que me deixam possesso. Uma é quando alguém fala, aqui, que 'isto é coisa de primeiro mundo'. Que primeiro mundo? E a segunda é que 'Deus criou esse maravilhoso país, mas deixa ver o povinho que vou pôr lá'. É o ranço do coronelismo. É inserir no genoma nacional o complexo de inferioridade. O Santos Dumont não pensou que era do primeiro mundo quando voou, não pensou no 'povinho', ele foi e fez. E acho que o que nós não sabemos é que existem milhões de outros Brasis que estão se fazendo; está lá em Resende, em Lages, no Seridó, no sertão da Paraíba, em Soares, em lugares que a gente nem considera como parte da gente. E aqui nós não apreciamos isso.

Pergunta: Quando você mostrou o projeto ao Lula?

Nicolelis: Foi genial. Estávamos no meu escritório, na minha casa, assistindo televisão, na Carolina do Norte. Vejo o discurso de vitória de um cara que conheci, rapidamente, que veio da miséria e virou presidente do Brasil, e está anunciando que quer construir outro país. Virei pro Sidarta, cientista meu amigo: 'É agora.' Escrevemos, fizemos contato. Em 2002. Vim em março de 2003 e fui me encontrar com ele em 2004. Declarei a intenção de criar o projeto no lugar em que cientista nenhum iria, e se funcionasse em Macaíba, iria funcionar em qualquer lugar. Trouxe quarenta neurocientistas do mundo inteiro para Natal, para o simpósio que inaugurou a idéia, em fevereiro de 2004. Recebi um convite para ir ver o presidente. Foi emocionante, tinha dado carona para ele uma vez, no Sindicato dos Médicos, quer dizer, um cara que contei piada do Palmeiras e do Corinthians era presidente da República. E ele mandou todo o mundo sair da sala, me deu um abraço e disse: 'Vai em frente que eu estou aqui.' (Nicolelis chora novamente.) E nós fomos em frente.

Pergunta: Governos federal, estadual e municipal, você tem apoio?

Nicolelis: O maior apoio foi do governo federal, mas o mais relevante é que a gente não só conseguiu construir isso, como conseguimos pegar mil crianças da rede pública, de escolas que as pessoas não davam esperança alguma, colocar em um ambiente de laboratório, de liberdade, de criatividade e mostrar para elas que o céu era o limite. E quando vim falar com certas pessoas aqui em São Paulo, falaram: 'Não vai sair nada.'

Pergunta: Pessoas do governo?
Nicolelis: Não, cientistas: 'Você está louco, não tem massa crítica, não vai sair do lugar', e hoje você vê criança que antes queria ser jogador de futebol dizer que quer ser químico. Estão montando robô, outro programando chip, aos 12 anos.

Pergunta: Imagino que o Instituto é mais um mundo mágico.

Nicolelis: Uma menina, quando o presidente foi visitar, ele perguntou: 'O que você acha dessa escola?', a menina 'Que escola?'; 'Essa aqui', e a menina 'não, isso aqui não é escola não, é parque de diversões'.


Entrevista à "Caros Amigos" edição 134.



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Construindo o arquipélago do conhecimento
A globalização de um modelo de desenvolvimento



O PRESIDENTE DO BRASIL Luiz Inácio Lula da Silva assina o plano nacional de desenvolvimento da educação em 12 de dezembro de 2007, em Brasília. Sentados (da esquerda para a direita) estão Miguel Nicolelis, o Ministro da Educação Fernando Haddad e o Ministro do Planejamento Paulo Bernardo Silva.

Nota dos editores: O artigo “A ciência na construção do futuro”, de Christine Soares, publicado na edição de março de 2008 da Scientific American Brasil, descreve um projeto liderado pelo neurocientista Miguel Nicolelis para utilizar a ciência como um agente de transformação sócio-econômica no Brasil. Neste ensaio, Nicolelis explica as origens de sua idéia e como o projeto poderia ser estendido a outros países.

Conceitos-chave

No século 21, o conhecimento inovador e as criações tecnológicas, os produtos mais marcantes do cérebro humano, provavelmente se tornarão as commodities mais valiosas para o estímulo da economia global. À medida que países e empresas multinacionais diversificarem suas estratégias em resposta a uma nova onda de globalização, a competitividade será mantida por aqueles que forem capazes de utilizar de maneira mais eficiente seus ativos tecnológicos e força de trabalho especializada distribuídos geograficamente. Parece plausível, portanto, imaginar que comunidades muito diferentes no mundo todo começarão a juntar esforços para formar parcerias vitais, capazes de competir mais eficientemente pelos benefícios econômicos, políticos e sociais gerados pelo crescimento da indústria do conhecimento. Um exemplo desse paradigma é um projeto em andamento para construir um desses enclaves de conhecimento no Nordeste do Brasil. Potencialmente, é a primeira de muitas ilhas de conhecimento que irão se conectar para formar um verdadeiro arquipélago de conhecimento no mundo.

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Sentado em uma cadeira confortável no canto esquerdo de um palco na ala oeste do Palácio Presidencial, eu mal podia acreditar que aquela cerimônia estava mesmo acontecendo. Ao lado do Ministro da Educação do Brasil, Dr. Fernando Haddad, e de frente para uma platéia que havia estoicamente agüentado um atraso de duas horas, me vi próximo ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva enquanto ele anunciava calmamente uma série de importantes decretos.

Era o começo de uma tarde de primavera incrivelmente fresca e politicamente carregada em Brasília. Apesar de seu dia cheio, o presidente parecia feliz em estar ali – particularmente porque suas assinaturas eram saudadas por salvas de palmas e comemorações exuberantes por diferentes participantes, convidados de todos os cantos do país para testemunhar o evento.


Retirado do Scientific American Brasil


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